domingo, 5 de julho de 2015

Neblina e Sombras.

Estes dias a cidade esteve envolta em neblina.
É das coisas que se vê por aqui o que mais gosto. É uma dádiva da natureza.
Quando a maioria dorme ou assiste sua tv , caminho dentro da noite e observo...
Estou de volta a este lugar depois de tantos anos.
Viajei, conheci outros lugares e outras pessoas, mudei bastante, mas de certa forma
permaneci acreditando em muitas coisas do passado.
Sempre que chove ou que a neblina desce, gosto de caminhar
pelas ruas da cidade e refletir, gosto de dilatar o tempo
e aprimorar o olhar sobre os lugares, as pessoas, sobre mim mesmo.
Aprecio dentro da neblina o contraste entre árvores, luzes e sombras
e me recrimino por não ser um bom fotógrafo e pior cronista.
Das colinas observo as luzes artificiais que desenham o que chamamos cidade.
Tudo parece colaborar para o aconchego, o estar junto,
um chocolate quente, um vinho, uma presença.
A neblina porém revela e esconde.
Quando mais jovem e participando de toda sorte de movimentos sociais,
religiosos, culturais, contestatórios,
comecei a andar pelos bairros menos favorecidos da cidade...
Ah, sim tive que deixar o "eixo monumental" da Rui Barbosa
e adjacências.
Era preciso para que me sentisse completo e mais humano
conhecer a Liberdade, a Cohab I, a Boa Vista, os becos de Heliópolis, o Indiano.
Lugares e pessoas tão próximos, tão distantes.
Conheci e amei pessoas maravilhosas nestes lugares,
reconfigurei meu olhar para o outro, para sua casa, para os seus
e de certa forma descobri um caminho mais tolerante e amoroso.
Descobri também o imenso preconceito com os mais pobres
do lugar e de todos os lugares... Todas as caras do preconceito,
suas justificativas, seu desprezo.
Em meio a neblina percebi uma miséria escondida entre as sete colinas,
um quê de tristeza de crianças que não tem um casaco para o frio.
Logo o frio, a chuva, a neblina que eu amava...
A natureza é inocente, porém.
É da humanidade, do nosso caminhar na noite fugidia, que vem os tormentos...
Sim, e eles existiram.
Ao deixar esta casa depois de anos de lutas
parti para minha jornada de vida comunitária com um certo amargor
na boca. Era para mim difícil de acreditar que as pessoas
não estivessem dispostas a compreender o meu caminho...
Fui ver e experimentar o que é viver em comunidade.
E isto,esta vivência preciosa, curou-me.
Aprendi sobre o perdão e sobre a festa.
Sobre a importância do prazer do espírito, mas também do corpo,
tão negligenciado ou atacado pelas religiões.
A importância do sorriso, do estudo, da solidão e da presença.
Abençoado por todas as divindades da natureza, da mente, do existir e do não existir
encontrei neste mundo, pelas estradas, gente elevada.
Uma sabedoria acompanhada de exemplo, palavras, silêncio,sorriso e tranquilidade.
É por eles, que creio na humanidade.
Não são os odiosos, os vingativos, os mentirosos que construirão
um mundo melhor. A raiva é uma péssima argamassa.
Hoje, vejo que nos é apresentado constantemente um mundo odioso
onde as respostas são a vingança, o desprezo pelo outro, a incompreensão,
a intolerância religiosa, o racismo, a homofobia e uma profusão de coisas semelhantes.
Neste retorno a esta casa, vi como alguns companheiros
de jornadas antigas, se perderam nestes discursos de ódio
travestidos de justiça.
Como manipulados por líderes irresponsáveis e que só pensam em si mesmos,
tem alguns dos meus amigos, destilado um rancor,
um pensamento estreito, um dogmatismo fanático.
Outros se converteram sabe-se lá ao quê e se julgam puros.
Iluminados, quem sabe.
Alguns questionam abertamente minha espiritualidade difusa e não religiosa
como coisa inútil.
Penso que o caminho que nos querem mergulhar é um caminho de afogados
e quero chamar a atenção para a importância da
compaixão e vida comum.
Não é apenas com acertos em questões econômicas
que faremos uma vida melhor e por "vida" aqui, tomo todas as dimensões possíveis,
do alimento, da arte, do corpo que ama, do espírito elevado, do saber, da ciência...
É preciso não confundir vida com existência.
E nem no pior dos pesadelos supor que é o Congresso Nacional
quem deve determinar como vc trata os outros.
Quem é e quem não é família, por exemplo.
As comunidades são famílias. Suas experiências podem ser úteis
aqueles que desejam rever seu modo de viver neste mundo.
Onde está escrito que só há uma maneira de ser feliz?
Por meus amigos, os velhos e os novos, caminho na neblina outra vez.
Nos encontraremos na noite iluminada e etérea,
temos muitos contos para compartilhar em torno desta fogueira.




sexta-feira, 3 de julho de 2015

Estrangeiros - Sobre eu Marilyn e a apple pie.

Sobre eu, Marilyn e a apple pie.

A primeira vez que estive nos Estados Unidos da América foi aos 15 anos de idade,
era uma moleca ganhando de presente uma viagem pra Disney.
Fui a única do grupo que não fez questão de tirar foto com o Mickey mouse,
os rapazes argentinos da outra excursão me chamavam mais atenção.
Depois de vinte anos em 2014 retornei aos EUA,
não sou mais moleca mas continuo trocando rapazes argentinos pelo Mickey.
Dessa vez fui visitar parentes e a necessidade de falar inglês me fez voltar novamente esse ano.
Não precisa ser um bom observador para notar que existe uma bandeira americana
a cada metro quadrado desse pais, o que faz eles afirmarem o quanto são norte americanos
e o que faz me lembrar o quanto sou estrangeira.
Krishnamurti, um educador indiano por quem eu tenho um respeito profundo
diz que nacionalismo divide seres humanos, e é verdade.
Temos que ultrapassar o campo das nossas condicionadas consciências
e nos libertar de todo o lixo cósmico que acumulamos durante nossa existência
para que o nativo e o estrangeiro habitado em nos não seja nem dentro nem fora.
Sou uma estrangeira em um pais estrangeiro,
o que remete ser a minha condição sob minha perspectiva.
No final das contas tudo sou eu, tudo é estranho e intimo.
E nada mais intimo que dirigir a 95(tipo a BR)
ouvindo Take walk on the wild side do Lou Reed entre bandeiras americanas.
E nada mais estranho do que ser uma brasileira fazendo isso.
Me disseram que quem nunca provou a apple pie (tradicional torta de maçã)
não conhece os esteites.
Como sou adepta a rituais comprei uma apple pie
e a provei sendo fitada pela beleza americana da Marilyn
( tenho uma foto dela no meu quarto).
Ela me dizia sussurrando como se falasse para o Kennedy :
Devore a América girl! Devore a América baby!


Quebec Xavier eh formada em cênicas,
trabalha com animais, estuda mitologia grega e língua inglesa.
Se considera uma filha do mar da arte e de marte. (necessariamente nessa ordem)